domingo, 14 de novembro de 2010

Cala a boca! (parte 1)

- Cala a boca!

- Porquê?

- Porque sim. Cala a boca!

- Oh vá lá, tu consegues melhor do que isso. Diz-me lá porque devo eu calar a boca. Não estou a gozar, diz-me mesmo! Não penses que excluo a hipótese de apresentares uma justificação convincente com a qual eu concorde. E se tal se verificar, penso que não seria de todo sensato eu não calar a boca. Diz lá então porque devo eu calar a boca.

- Porque tudo o que dizes está mal.

- E por “tudo o que dizes está mal” presumo que queiras dizer “tudo o que dizes é falso”. Estou correcto?

- Sim.

- Penso, meu caro, que um ouvinte ou leitor, caso isto venha a ser escrito, mais perspicaz já tenha aqui detectado algo de irregular. Mas vamos ignorar esta primeira contradição e concentrarmo-nos no assunto principal. Dizes, portanto, que tudo o que eu digo é falso?

- Sim, completamente.

- E por “tudo o que dizes” entende-se todas as declarações, afirmativas e negativas e todas as interrogações ou referes-te apenas às declarações, ou apenas às interrogações?

- Refiro-me a tudo o que dizes.

- Afirmas, portanto, que todas as minhas afirmações são falsas.

- Sim.

- E afirmas, também, que todas as minhas interrogações são falsas.

- Correcto.

- Pergunto-te então o seguinte: A frase “Como te chamas?” é uma interrogação?

- Sim, é óbvio que é.

- Então, se todas as minhas interrogações são falsas, como anteriormente afirmaste, ao perguntar-te “Como te chamas?” estaria a dizer uma falsidade.

- Penso que… sim…

- Ponho-te então uma questão: Uma coisa dita é falsa quando nela foi dito algo que é falso. Concordas?

- Sim.

- E concordas também que algo falso é algo que é uma certeza falsa? Pois não pode ser falso aquilo que não é certo de o ser.

- Estás a dizer coisas óbvias.

- Então, voltando atrás, ao perguntar “Como te chamas?” estarei a dizer uma coisa falsa, isto é, uma certeza falsa.

- Sim.

- Coloco-te agora uma outra questão: Quando estás incerto acerca de algo e pretendes ficar certo acerca desse mesmo algo, o que fazes?

- Pergunto a quem saiba.

- E na tua pergunta mostras a tua incerteza?

- Pois claro.

- E concordas quando digo que uma pergunta é uma interrogação?

- Sim, claro! Começo a fartar-me de tantos rodeios.

- Tem calma, amigo! Então, se “Como te chamas?” é uma interrogação, terá forçosamente de ser também uma pergunta.

- Claro que tem de ser uma pergunta. Querias que fosse o quê?

- E uma certeza falsa não é uma certeza?

- Sim, embora falsa, é uma certeza.

- E nas perguntas não mostras incerteza?

- Mostro pois.

- Então primeiro afirmaste que “Como te chamas?” mostra uma certeza, falsa mas ainda assim uma certeza, e agora afirmas que “Como te chamas?” mostra uma incerteza. Ora, a meu ver, a mesma coisa não pode ser certa e incerta ao mesmo tempo. Que me dizes sobre isto?

- Realmente não sei que diga…

- Mas, como todas as coisas têm obrigatoriamente de ser ou certas ou incertas, temos de decidir se “Como te chamas?” e as interrogações de um modo geral são certezas ou incertezas. Em que ficamos nós então?

- Diz-me tu.

- Ora muito bem! Se usamos as interrogações para obter certezas é porque ainda não as temos no momento que fazemos a interrogação. Sendo nós obrigados a ter ou certezas ou incertezas, e não tendo certezas, penso que nas interrogações teremos forçosamente de ter apenas incertezas. Estás de acordo?

- Custou-me um pouco seguir o raciocínio mas julgo que sim, que estou de acordo.


(Continua...)


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