- Cala a boca!
- Porquê?
- Porque sim. Cala a boca!
- Oh vá lá, tu consegues melhor do que isso. Diz-me lá porque devo eu calar a boca. Não estou a gozar, diz-me mesmo! Não penses que excluo a hipótese de apresentares uma justificação convincente com a qual eu concorde. E se tal se verificar, penso que não seria de todo sensato eu não calar a boca. Diz lá então porque devo eu calar a boca.
- Porque tudo o que dizes está mal.
- E por “tudo o que dizes está mal” presumo que queiras dizer “tudo o que dizes é falso”. Estou correcto?
- Sim.
- Penso, meu caro, que um ouvinte ou leitor, caso isto venha a ser escrito, mais perspicaz já tenha aqui detectado algo de irregular. Mas vamos ignorar esta primeira contradição e concentrarmo-nos no assunto principal. Dizes, portanto, que tudo o que eu digo é falso?
- Sim, completamente.
- E por “tudo o que dizes” entende-se todas as declarações, afirmativas e negativas e todas as interrogações ou referes-te apenas às declarações, ou apenas às interrogações?
- Refiro-me a tudo o que dizes.
- Afirmas, portanto, que todas as minhas afirmações são falsas.
- Sim.
- E afirmas, também, que todas as minhas interrogações são falsas.
- Correcto.
- Pergunto-te então o seguinte: A frase “Como te chamas?” é uma interrogação?
- Sim, é óbvio que é.
- Então, se todas as minhas interrogações são falsas, como anteriormente afirmaste, ao perguntar-te “Como te chamas?” estaria a dizer uma falsidade.
- Penso que… sim…
- Ponho-te então uma questão: Uma coisa dita é falsa quando nela foi dito algo que é falso. Concordas?
- Sim.
- E concordas também que algo falso é algo que é uma certeza falsa? Pois não pode ser falso aquilo que não é certo de o ser.
- Estás a dizer coisas óbvias.
- Então, voltando atrás, ao perguntar “Como te chamas?” estarei a dizer uma coisa falsa, isto é, uma certeza falsa.
- Sim.
- Coloco-te agora uma outra questão: Quando estás incerto acerca de algo e pretendes ficar certo acerca desse mesmo algo, o que fazes?
- Pergunto a quem saiba.
- E na tua pergunta mostras a tua incerteza?
- Pois claro.
- E concordas quando digo que uma pergunta é uma interrogação?
- Sim, claro! Começo a fartar-me de tantos rodeios.
- Tem calma, amigo! Então, se “Como te chamas?” é uma interrogação, terá forçosamente de ser também uma pergunta.
- Claro que tem de ser uma pergunta. Querias que fosse o quê?
- E uma certeza falsa não é uma certeza?
- Sim, embora falsa, é uma certeza.
- E nas perguntas não mostras incerteza?
- Mostro pois.
- Então primeiro afirmaste que “Como te chamas?” mostra uma certeza, falsa mas ainda assim uma certeza, e agora afirmas que “Como te chamas?” mostra uma incerteza. Ora, a meu ver, a mesma coisa não pode ser certa e incerta ao mesmo tempo. Que me dizes sobre isto?
- Realmente não sei que diga…
- Mas, como todas as coisas têm obrigatoriamente de ser ou certas ou incertas, temos de decidir se “Como te chamas?” e as interrogações de um modo geral são certezas ou incertezas. Em que ficamos nós então?
- Diz-me tu.
- Ora muito bem! Se usamos as interrogações para obter certezas é porque ainda não as temos no momento que fazemos a interrogação. Sendo nós obrigados a ter ou certezas ou incertezas, e não tendo certezas, penso que nas interrogações teremos forçosamente de ter apenas incertezas. Estás de acordo?
- Custou-me um pouco seguir o raciocínio mas julgo que sim, que estou de acordo.
(Continua...)
Ivocatii
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