sexta-feira, 26 de junho de 2009

Diálogos de Nada

Racional – Porque vieste?
Irracional – Por nada.
R – Se foi por nada então porque vieste?
I – Por nada, já te disse.
R – Que te fez vir?
I – Nada.
R – Então porque te deste ao trabalho de vir?
I – Não sei.
R – Mas como vieste?
I – Vim vindo.
R – Vieste vindo como?
I – Com os pés.
R – Então vieste pelos pés, não foi?
I – Sim.
R – Primeiro disseste que vieste por nada, agora dizes que vieste pelos pés.
I – Pensei que falavas na razão de vir.
R – E tinhas razão de vir?
I – Não.
R – E agora já tens?
I – Continuo a não ter.
R – Então o que te levou a esta acção?
I – Nada.
R – Nada leva a nada, não leva à acção.
I – Então já tenho razão. Nada é a minha razão de vir.
R – Se a razão é nada então não tens razão.
I – Tenho, embora nunca a tenha tido.
R – Como podes ter e não ter razão?
I – Quando se tem nada, é em não o ter que o temos.
R – Então sempre tiveste.
I – Sempre tive porque nunca a tive pois a minha razão é nada, já te tinha dito.
R – Confuso… E desde quando é que a tens?
I – Nunca a tive.
R – Então como a tens agora?
I – Tenho-a agora porque nunca tive.
R – Mas começaste a tê-la em algum momento para a poderes ter agora.
I – Não a tenho nem nunca tive, por isso é que digo que a tenho agora.
R – Mas tudo tem um início e um fim.
I – Porque resumes tudo a um conceito geométrico? Porque tem tudo de ser uma recta ou um ponto?
R – Porque tudo é uma recta ou um ponto. As coisas ou acontecem num momento exacto ou demoram um determinado tempo a acontecer.
I – Não há coisa que aconteça num momento exacto. Pois entre o início e o fim há sempre algo, mesmo que esse algo seja nada. Repara na recta, onde ela começa?
R – No infinito.
I – E onde acaba?
R – No infinito.
I – E o que é o infinito?
R – É tudo.
I – E podes definir o infinito?
R – Não.
I – Se não podes definir então é porque o infinito é nada. Logo se a recta começa no nada e acaba no nada, ou seja, começa onde acaba. Então a recta é nada pois nunca saiu do nada. E tal como a recta, a minha razão consiste em ser nada.
R – Vamos acabar com esta conversa que já me dói a cabeça. Queres ir beber um café?
I – Porque me convidas?
R – Por nada.
I – Boa razão! Anda então beber o café que eu pago.
R – Tens dinheiro?

I – Tenho.


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